data-filename="retriever" style="width: 100%;">Manhã abafada no Calçadão Salvador Isaia. Manhã de sábado. Movimento inusitado. Compras. Vendedores ambulantes oferecendo de tudo. Economia informal em ebulição. Compensando o desemprego. Ou suplementando a baixa renda familiar.
Há passantes assíduos. E pontuais. "Bigode" com sua bicicleta usada apenas para carregar cafés e pastéis. Senhor careca com suas caixas de negrinhos e quindins. O simpático jornaleiro que vende o "Diário" e conhece tudo e todos. Os vendedores de rosas. Os que oferecem os bilhetes de loterias.
Há bêbados que incomodam. Que achacam senhoras. Que pedem dinheiro. Que saem do seu habitat da Praça Saldanha Marinho para uma investida no Calçadão à cata de tostões. Ou para compra de cachaça em recipiente plástico. Pelo menos um deles já vi seminu. Outro vi com as vestes sujas de dejetos.
Há cantores de tangos e boleros. Instrumentistas de flautas peruanas. Vendedores de CDs. Cantores de rock. MPB. Música sertaneja. Gospel. Há pregadores que amaldiçoam os pecadores com as labaredas do inferno. Muitos distribuidores de panfletos.
Merece um capítulo especial o teor dos panfletos. Há oferta de comida caseira de vianda. Lanches. Baurus. Pastéis. Pizzas. Rodízio. Cursos de ioga. Musculação. Ginástica. Academia. Acompanhantes para senhores solitários. Massagem tântrica. E outras coisas mais nebulosas que não me atrevo a publicar...
Há cães comunitários, uns cinco ou seis. Mas um deles é o mais popular. Porque dorme com as quatro patinhas para cima, mostrando uma capacidade de relaxamento total. Jamais precisará de sessões de ioga. Ou usará Rivotril. Deve ser o cão mais fotografado de todo o Rio Grande do Sul. Nos mesmos horários, independente do barulho ou movimento dos pedestres, ele se estica de ventre para cima, cerra os olhos e dorme umas duas horas um sono profundo. Certamente sonhando com o Grande Deus dos Cachorros que está a lhe esperar no Céu dos Cachorros.
Claro que existem os inconvenientes que aparecem com skates e bicicletas. Atrapalhando idosos que usam bengalas. Andadores. Cadeiras de rodas. Os cegos. Os que usam muletas. Nada contra os skatistas, por amor de Deus. Mas existem pistas especializadas em outros locais da cidade para a prática deste esporte. É tudo uma questão de bom senso.
Mas neste sábado, no Calçadão, o que mais me chamou a atenção, da mesa onde tomava meu café, era a mocinha de cabelos negros, encaracolados, sentada no banco em frente à Caixa Econômica Federal. Impaciente, face preocupada, linda, na pujança talvez dos seus 16 anos no máximo. Não parava de olhar para os lados. Sentava e levantava. Dava alguns passos. Voltava a sentar. Deveria ter no máximo 1,55 metro aquela linda moça.
Foi quando ele chegou! Um rapaz de uns 25 anos, loiro, de fones nos ouvidos, muito mais alto do que ela. Ela se atirou em seus braços e se beijaram demoradamente. Todo mundo que passava ficava olhando. Umas senhoras balançavam a cabeça, desaprovando. Outros riam. Outros ficavam sisudos. Outros passavam sem notar. Depois de se beijarem muitas vezes, ela ficou aninhada nos braços fortes dele e com o rosto encostado no seu peito, enquanto ele alisava os cabelos e a cabeça dela. Ela sorria. Sorria feliz. Como se existissem só os dois em todo o universo. Um sorriso duma felicidade cósmica. Pungente. Paradisíaca. Um sorriso que só o amor pode produzir.
Eu peço a Deus que todos nós possamos enfrentar o mundo com a pureza daquele sorriso!